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Prefácio de Chico Whitaker

Atualizado: 14 de ago. de 2023


Quando Bruno Franques me pediu para escrever um prefácio para este livro, eu estava há um bom tempo mergulhado de cabeça no esforço para tentar entender o que se passa no Brasil, com a combinação Inominável + covid (sua parceira no extermínio de gente) + interesses internacionais associados aos da Casa Grande + naturalização do inaceitável + eleições +... E buscando caminhos para a difícil passagem da indignação à ação. Convenhamos que não era um momento tranquilo para escrever prefácios, menos ainda para um livro cujo título, em si mesmo, já me interrogava: O que seria uma revolução minimalista? Na minha idade já não se consegue compreender todas as expressões novas criadas pelos jovens, nem todos os conceitos que surgem no universo dos que estudam e discutem o que acontece no mundo.

Quando conheci Bruno, em uma reunião de alguma campanha em curso, pensei que era jornalista, porque ao se apresentar dissera que trabalhava na TV Cultura. Só depois soube que era sociólogo e outras coisas, ao compartilhar com ele a organização de Fóruns Sociais locais e Rodas de Saberes. Inclusive depois que se mudou para Sorocaba, de onde me chamou para atividades desse tipo que inventou por lá. Mal sabia que escrevia tão bem e só recentemente soubera que tinha se mandado para Roraima, o canto mais ao norte do Brasil.

Fui assim empurrando com a barriga a resposta ao seu pedido. Até que um dia, há três dias, ele pôs a faca amigavelmente no meu pescoço: Ou agora ou nunca mais, o livro já vai ser publicado! Maior susto!

Por sorte eu tinha acabado de conseguir escrever a terceira ou quarta versão de um artigo – depois de vários outros sobre o mesmo tema, que eram lidos, se lidos mesmo, só pelos bons amigos que tenho, que aliás já começavam a achar que eu estava insistindo um pouco demais em meus alertas. E este artigo pareceria ter conseguido acordar mais gente para as terríveis ameaças que pairam sobre nós, na pátria amada, que mentes doentias querem que viva a tragédia das pátrias armadas. Sentia portanto um certo alívio, e decidira ir dormir um pouco mais cedo.

Mas minha cabeça não parava de ruminar ações mais eficazes para enfrentar o descalabro a que nos leva a anomia da impunidade – recém demonstrada, mais uma vez, por assassinatos cruéis como o de outro Bruno, que fora “marcado para morrer” exatamente na Amazônia, região onde agora mora o Bruno, meu amigo. Resolvi então, para dar um basta a tais reflexões sempre angustiantes, enfrentar de novo a leitura do seu livro, para ver se seria capaz de atender ao seu pedido, tarefa que eu não queria deixar cair por amizade e respeito ao que ele faz.

Mas, quando retomei o seu texto, que me enviara há um certo tempo, me senti perdido. Literalmente, de novo não entendi nada das primeiras páginas. Elas escapavam inteiramente da logica cartesiana em que eu tinha sido formado – introdução-desenvolvimento-conclusão - ainda que mais tarde tivesse conseguido, com a experiência da vida, usá-la de forma mais elástica.

Desta vez, no entanto, depois de um pouco aturdido fui entrando na lógica do Bruno, e me entusiasmando com o modo totalmente inusitado de sua maneira de falar de nossa realidade, misturando citações de gregos a pensadores atuais com reflexões “revolucionarias” nada mais nada menos que de animais, todos mais sensatos e mais capazes de analisar os fatos que os seres humanos que encontravam, no mundo louco em que vivemos. Li interessadíssimo os contos das Moscas e Abelhas aos das Corujas e Vacas, começando pelo do Cão libertário que compartilhou seu espaço com o Jacaré que engolira seu irmão menor, cujo corpo inerte ele tinha levado a um igarapé quando foi atropelado numa avenida da cidade, e vi que minha estratégia funcionara.

Só consegui parar na metade do livro, para escrever ao Bruno pelo WhatsApp dizendo: ok, vou escrever o prefacio amanhã cedo. Ao que ele agradeceu já hoje cedo e ainda se deu ao luxo de chamar minha atenção para o conto do Pirarucu, cujo texto revira – um dos finais, que eu ainda não lera, mas que avidamente li antes de começar a cumprir minha tarefa.

Suponho que prefácios têm como objetivo estimular os que folheiem o livro a se animarem a lê-lo. É o que procuro fazer, ao escrever os que me são solicitados. Não sei se o consigo, mas neste gostaria muito que o tenha conseguido. Porque seria muito bom que bastante gente o lesse e mesmo discutisse seu conteúdo com outros.

De fato, é um livro inteligente de formação política, que nos introduz para autores que nós deveríamos ler mais, e que nos faz “ver” aspectos de nossa realidade que muitas vezes nos passam despercebidos, mas não podem ser ignorados ou esquecidos, mesmo quando estamos imersos nas solicitações de nossa vida cotidiana. Bruno conseguiu, com seus contos bem humorados, surpreendentes e leves, dar uma visão quase completa dos grandes e complexos desafios que se colocam tanto para nós brasileiros como para nossos irmãos do resto do mundo, para que nossas sociedades se libertem de tudo que mantem a espécie humana ainda tão próxima da barbárie. Que o consigamos!


22/06/2022


Chico Whitaker é arquiteto e ativista social, foi vereador em São Paulo pelo PT, secretário executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz, cofundador do Fórum Social Mundial, membro da Coalizão por um Brasil Livre de Usinas Nucleares, Prêmio Nobel Alternativo de 2006.


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