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Prefácio de Sócrates Magno Torres

Atualizado: 14 de ago. de 2023


Para entendermos, ou melhor, penetrarmos e sermos atravessados pelos contos do Bruno Fraques precisamos estar abertos a diversos tipos de afetos. Desde a compreensão de fenômenos da natureza, até as mais profundas teorias quânticas, filosóficas, psicanalíticas, sociais, antropológicas. Melhorando: Precisamos apenas dos afetos aflorados, pois todas essas teorias serão absorvidas por nossos corações e mentes de forma quase orgânica.

Em um processo que se assemelha a, ou talvez efetivamente seja, uma profunda gestação, esse duende urbano e também urbanoide das florestas, nos oferece conhecimento de diversas ciências, mantendo uma poesia que alcança raízes profundas, assim como transcende aos mais remotos recantos do firmamento humano. Conseguimos sentir os pés no chão e a mente viajando à velocidade da luz em direção aos segredos da origem do universo.

Em uma linguagem que trafega entre o teatro do absurdo, o perspectivismo ameríndio, os fundamentos da psicanálise e chega até a cultura popular e as lendas das entranhas da floresta, essa leitura tem um caráter semiótico e traz consigo lições que estão longe do acento moralista e moralizante das fábulas convencionais. Traz consigo um aprendizado afetivo que transforma o olhar dos leitores e a sua maneira de sentir e perceber o mundo.

Muitas metáforas e prosopopeias permeiam as linhas que nos conduzem a uma espécie de empatia com os seres da floresta. Sentimos como árvores, pensamos como peixes, fluímos como as águas e presenciamos os absurdos e belezas absolutamente conectados com os movimentos cíclicos que as entranhas da mãe natureza sente e reproduz. Nos sentimos livre e perseguidos, mortos. Gozando da benesse do habitat natural, mas também envenenados pelos predadores humanos que insistem em violar aquilo que lhes trouxe a própria vida.

A filosofia se confunde com o realismo fantástico e traz consigo uma carga de valores que não pesam sobre os ombros, mas que atinge em cheio a consciência humana. Para isso, uma boa dose de humor, sarcasmos carregados de sagacidade e, acima de tudo, humanidade, nos é servida em uma leitura que não conseguimos digerir rapidamente, necessitando longas pausas de reflexão para que consigamos transformar o incômodo gerado pela saída da zona de conforto, em sedimentação de sentimentos e novas leituras do mundo, de nós próprios e das nossas relações com Pachamama.

Mesmo com a profundidade que caracteriza as “viagens” que encontramos nesses contos, podemos penetrá-los com leveza, com a atenção dividida entre o mundo que estamos presenciando no decorrer das palavras e os seus efeitos dentro de cada um de nós. E depois, a tarefa hercúlea de saber como, depois de nos enxergarmos diferentes, percebermos o entorno de forma nunca vista e interferir para um mundo melhor, para um bem comum. Esse é um grande desafio, depois de nos debruçarmos nessas linhas, que muitas vezes tem o silêncio da noite na floresta.

Para finalizar, ressaltando a honra e o desafio de exprimir em poucas palavras uma obra tão magnífica, fica o caráter de acessibilidade e uma leitura de mediação entre a academia, por assim dizer, e os saberes populares, tradicionais. Essa coletânea de contos faz uma ponte de mão dupla para quem está nos extremos. Quem vive na Torre de Marfim e nos gabinetes das universidades poderá ter contato com os mesmos conceitos estudados dura e quase devotamente entre os pares acadêmicos, mas acessando a sabedoria popular.

Por outro lado, através de uma linguagem acessível, as camadas mais populares terão acesso aos mesmos conceitos “traduzidos” a serem compreendidos e assimilados de forma orgânica. Percebendo que a floresta guarda segredos, mas também muito aprendizado.

E que para nos oferecer uma comunicação que nos afete e nos traga profundos conhecimentos, apenas observando a sabedoria da natureza, precisa ter muita base teórica, muita sensibilidade e, muito mais que qualquer coisa, ser e se sentir parte saudável e doente do ser do mundo.


22/06/2022


Sócrates Magno Torres é educador e cientista social. Ministrou cursos de história da arte, ética e cidadania para jovens em medida socioeducativa, na Fundação CASA, onde coordenou atividades de arte-educação, via Ação Educativa. Professor convidado da FESPSP - Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo; da Universidade Federal de Goiás e da Escola do Parlamento de São Paulo. É coordenador do coletivo NIP - Núcleo de Inteligência Periférica.


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